15 de novembro de 2010

Fast Food Brazil (14/11/2010)

Já fazia algum tempo que eu não assistia ao show do Fast Food Brazil. A banda é minha predileta de Sorocaba: tem suingue, tem inteligência, tem peso e tem excelentes músicos. Deixando de lado a amizade com Ítalo, Peu e Hugo, evitando também a concórdia por sermos parceiros da cena independente e autoral sorocabana, escrevo minhas impressões:

O Asteroid, palco do evento, estava cheio. Como de costume, muita dança, cigarros e cervejas antes da entrada da banda, por volta de 1h30. Depois da primeira música, com microfonias desagradáveis para quem estava perto do palco, eles apresentaram 2 músicas novas, da qual preferi a segunda. Tatu Catupiry é sempre divertida -- e com o Marcos Boi (part. especial) fazendo a segunda guitarra, ficou elegante, também. Ouvi mais 3 músicas e desisti.

A música "Deixa eu fumar sossegado" é exemplar na razão do meu desapontamento com o FFB. Houve uma guinada estética na banda: sumiram os pedais duplos; os exuberantes passeios sonoros, repletos de convenções, tempos e contratempos também. O visual delirante do Hugo, com saia e terno esquizóide, deu lugar à sensatez de calça e camisa preta. Performances ensandecidas foram trocadas por pequenos chutinhos no ar e um contido arranjo teatral na hora dos solos. "Deixa eu fumar sossegado" foi remediada e a letra trocada. O FFB visou o pop ao conceber todas essas mudanças. Acontece que essa conversão ao universo pop tornou o FFB uma banda aplainada.
Remeto-me ao velho do charuto, Freud: talvez a banda tenha amadurecido e, com o aparecer dos primeiros fios de bigode, tenha caminhado para uma maturidade de letras e arranjos. A loucura adolescente e o divertimento infantis foram ficando de lado, como lembranças de um tempo que passou. O FFB está adulto, adulto demais. O trabalho musical dos integrantes em projetos paralelos mostrou que é preciso crescer, é preciso sustentar-se no mundo. A falta do FFB é não compreender que ser, de fato, homem maduro é fazer conviver o adulto que calcula e a criança que ri. Meu descontentamento inicial foi pela seriedade adquirida, que arredondou todas as arestas da banda, dizendo inconscientemente ao adolescente brincalhão: agora não, menino.
Remeto-me, finalmente, ao velho de bigodes, Nietzsche: a arte é o tenso equilíbrio entre Apolo e Dioníso. Apolo, deus da luz, comanda a racionalidade, a simetria e o bom senso. Dioníso é o deus da desmedida, da loucura, da paixão, do corpo. Na primeira vez em que assisti o FFB, por volta de 2006, acredito, tive o espanto próprio da arte: conviviam ali elementos dionisíacos e apolíneos. A banda exibia um psicodelismo inteligentíssimo. Contradição nos termos justificada pela estética da banda -- o Fast Food mostrava uma incrível matemática musical (nos compassos malucos, nos solos não óbvios e complexos) aliada à loucura de letras criativas e irreverentes, em performances extravagantes e em composições absolutamente livres. No show de ontem, Apolo sobrepujou seu rival Dioniso. Meu segundo descontentamento foi ver o FFB totalmente lúcido e arrazoado.
Diante da educação e do equilíbrio do show de ontem, o FFB estava em completo acordo com o "Iluminismo Musical". Nunca gostei desse nome porque ele não definia a estética da banda até então. A saber, o Iluminismo é apadrinhado pelo velho dono do poodle, Kant: "a razão como guia a priori". No show de ontem, após a saída de cena de Dioniso, a razão iluminou demais o som do FFB.
A guinada estética me desagradou. Espero que funcione em termos de mais shows, maior relevência na divulgação por aí, etc. Pessoalmente, eu não gosto da banda meramente profissional que assisti ontem. Espero rever a banda em dias melhores -- e que ela venha acompanhada por aqueles que não participaram da noite no Asteroid: a criança e o louco.