14 de dezembro de 2011

Moradas (Alejandra Pizarnik)

Na mão arrepiada de um morto,
Na memória de um louco,
Na tristeza de um menino,
Na mão que busca o copo,
No copo inalcançável,
Na sede de sempre.

21 de novembro de 2011

Analítica

Todas as frases podem ser antônimas:
Uma delas é verdadeira.

Teu sim,
Meu não.

O mal do tempo,
Felicidade de estar.

Eu te amo,
Então me deixe.

Esconda os sonhos,
São vento e poeira.

Venha,
Equilibre-se.

A queda do absurdo
Na simetria da cama.

Meu sim,
Teu não.

Infinito pesar,
O silêncio impossível.

E nesse bailar sobrevém um poema.
Emblema da verdade gravado na beira do mar.
Que veio só.
Tão somente
Pra te ver brincar:

Esse é o falso mais derradeiro.

13 de novembro de 2011

57,3333333

Ainda que o tempo desdobre,
A coisa é mesmo a memória.

Branca e lisa
Como as manhãs
De inverno.
Como o mar de ressaca
Ainda que frio e denso.

[Ela]

É arte de dourar o imprevisível
Para que não o faça perder.
Pois já foi como se fosse --

Um olhar vivido.


(Gustavo, Joilson, Vinicius - 13/11/11)

15 de julho de 2011

Citação -- Lívia Gusmão / Miss Blue

“Eu não tenho métrica.
Não penso pra escrever.
Se rima, é sorte
Ou azar de quem lê.”

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Segue o link para mais textos da Srta. Blue: http://liviagusmao.wordpress.com/

14 de junho de 2011

Recorte epistemológico tipicamente sorocabano

Em visita pelas memórias de meu avô e pelos sebos da cidade rasgada percebi algo instigante: os livros de faroeste de formato de bolso são consumidos (ou lidos) basicamente pela terceira idade -- uso o termo respeitosamente. E esse público tem um sério problema, que é a escassez dos exemplares. Ora, como não se produzem mais títulos desse gênero (se se produzem acabam não chegando por aqui, ou chegam com preços altos e fora do círculo que a demanda freqüenta) os senhores leitores são obrigados a trocá-los nos sebos por outros livrinhos de tiros, poeira e cavalos.
Resultado: para evitar que os livros sejam lidos mais do que uma vez, os leitores fazem pequenas marcas na capa, indicando a leitura daquele livreto. São usadas siglas, assinaturas, símbolos como um triângulo, um ponto depois do nome do autor, etc.
Num primeiro momento, esse fato já é representativo: quando se fala tanto em estímulo à leitura, necessidade de., sobreposição da internet às obras impressas, etc., pode-se reconhecer um verdadeiro nicho de leitura -- um "círculo do livro" informal. Uma espécie de organização velada e sem centro, em que as tramas do oeste americano, dos heróis, dos duelos, das lutas com índios em fortes perdidos numa paisagem meramente imaginária são consumidas em silêncio, povoando sonhos e desejos que o corpo já não poderá mais enfrentar.
Num segundo momento, já numa espécie de sistematização dessa atividade, alguns dos leitores avaliam os livros, para evitar a repetição ou a confusão, dada a variedade de títulos, profusão de autores, estilos de escrita e épocas diferentes: é comum ver as capas com pequenas anotações. Embora tais notas gravitem em torno de conceitos mais jornalísticos (do tipo "bom", "ótimo", "ruim", etc.) sua presença nos coloca numa segunda dimensão desse universo leitor anônimo. Em outras palavras, além da presença desse núcleo secreto de literatura, há uma segunda camada que exerce a crítica literária: potenciais leitores podem valer-se dessas indicações quase que hieroglíficas nas capas e optar por este ou aquele livro.

(Só andando por aí, você, intelectual -- ou não --, vai ver o mundo mostrando os dentes. Os rabiscos aí de cima são uma homenagem ao querido Walter Lacava, leitor das paragens poéticas daqueles livrinhos roídos pelo tempo. Além disso, do objeto de possível interpretação semiótica que está na cara dos caras e todo mundo falando de blablablá.)

19 de maio de 2011

MIX

Estou trabalhando simultaneamente em quatro textos e a deadline vem apertando o pescoço!

Psicologia ("Fetiches na rede: o prazer mediado pelas máscaras virtuais", projeto de iniciação científica), Administração ("A utilização da publicidade escrita no incremento de vendas", trabalho de conclusão de curso), Crítica Literária ("O grafite entre quatro paredes", texto para o site Idéia Coletiva) e Filosofia (projeto para a Oficina Cultural Grande Otelo).

Se eu não manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo, vou acabar escrevendo que Freud usou calcinha para divulgar uma exposição d'OS GÊMEOS' no MASP antes de passar na casa do Sartre para falar sobre "Morde e Assopra".

21 de abril de 2011

Incólume

Todas as distâncias são intransponíveis.
Ensimesmada, a tartaruga venceria qualquer herói,
Aquiles seria inglório.
Assim como tais ordinárias aporias.

No entanto hoje, conduzindo um corcel cinza,
Motor prestes a sucumbir,
Fracas suas relações --
Sou um deus a vinte por hora.

28 de fevereiro de 2011

Balada para Artemiro Cruz

Simulo tua morte, nosso possível encontro:
Rejeição e amor fugaz em linhas nos definem.
Incomoda-te essa minha vontade?
Liberdade-rancor-fracasso.

Mentir seria meu ofício, contar histórias:
Interessar-me-ia somente ver meus olhos
Ao observar Catalina. Mas ela passa.
Suas incontáveis memórias não.

Simulo teu leito e tua face partida
Que em cacos me espia – logo sou
Teu esgar às luzes de Hermosillo
E a resistência dos teus.

Por tantos índios caídos e falsos messias,
Finjo hoje ser um yaqui, no centro do mundo.
Esse peso de opostos me derruba:
Consigo? Quase, quase. Só quase.

Sua força mítica e seu nome inútil
Morrerei, morrerá – um noturno adágio.
E quem viverá nesse silêncio?
Só tu é que me poderá contar:

“Acreditará em seus dias com os olhos fechados.”


Gustavo Lacava,
28/02/2011

7 de fevereiro de 2011

Pós-tudo

Esse eu escrevi para o blog Escritos - Linguagem no Corpo, cuja proposta era uma prosa poética. Serviu como treino noite insone adentro. Pra quem ler, boa diversão com as palavras arranjadas.

"Tzinacan"


Há um Santo no jardim. Em sua fronte, ao centro, carrega o Universo, e é menor que uma cigarra. Dos seus pés descalços escorrem duas nascentes: a que vai para o Leste culmina num lago, onde animais de todas as espécies se alimentam (há peixes em abundância, mas não há competição): tudo é farto no lago e em torno dele; à Oeste, o rio turva-se e acelera sua velocidade, progredindo geometricamente, sob a razão de cinco. Logo, exige desafios para compreender sinuoso traço. Esfinges encontram esconderijo nesse labirinto de margens duras e rigorosas. Porém o corte na terra, desenhado caprichosamente pelo tempo – que não é mais do que o próprio rio – desvela um caminho entre os vales, repletos de pedras e flores cujas pétalas ainda não têm nome.

Sobre sua cabeça, um anel brilhante pende do éter azul e incógnito. Há quem pense ser essa aréola um conjunto de planetas e variados sóis, reduplicando as possibilidades e as dúvidas. Em verdade, pendem do Imensurável luzes multicores que conseguem dar novos temas às pastagens cor de oliva. Há o amarelo de Van Gogh e as luzes da Renascença, espelhados nos topos e entre as árvores do bosque. Parece que são essas ondas que regulam o clima, por ora quente e úmido.

Na mão esquerda carrega Ele um cetro adornado por pérolas escuras, como se não fosse um ser da terra, e sim do mar. Mas não há nada Nele que remeta às ondas, que são determinadas e rigorosas: essa sua contradição é fruto de uma paixão imensa por tudo aquilo que nasce e perece. Se Nele há repetição é só porque compreendeu a simetria matemática de existir – o Santo é demasiado humano. E na palma da mão direita duas chagas revelam seu mistério: mesmo os deuses são, ainda, temerosos e gostam de sentir assim. Para o Santo, simplesmente ser e estar, com todos os Verbos em-si.

Na íris desse irrevogável Santo vêem-se comandos e ordens parados que regulam o Fogo Primordial. Os signos usados para que cada ação mova-se em em círculos aparenta-se com o I Ching, embora suas combinações sejam infinitas. Cada lento tempo de olhar, entre fechar e abrir novamente os olhos, é uma existência que se instaura, independente Dele: há quem viva, há quem corra. Há sempre esquecimento. E nesse ínterim, pululam novas formas de Memória. O Santo reconhece ser isso o que os mais nobres da estirpe dos humanos chamam pelo nome de consciência. Não há desacordo no semblante do Santo.

Diante de tudo isso, que notou ser Sublime, o Santo diz sua única assertiva – como uma praga ou uma predileção. Fala antes de levantar-se e partir com os olhos cansados e as mãos dispostas a destruir todos os livros que tentarão contar de sua passagem por este jardim. “Há só uma história a se contar” – sua única doutrina, seu canto pela eternidade ecoado em terças, quintas e sétimas acalma o Horizonte, que já começava a ruir.

7 de janeiro de 2011

Cadê os bons redatores???

Posto, ipsis litteris, o release enviado ao Cruzeiro do Sul, para divulgação do show da Sarabatana tocando Cazuza:

A poética de Cazuza é indiscutível. Mas em que consiste, principalmente, essa característica – chamada por alguns de “genial”? É dado aos poetas o poder de ultrapassar o ponto de vista da maioria das pessoas sobre as coisas. Suas canções revelam essa outra forma de ver: o amor, tema insistente na história da música popular, abordado quase sempre por bordões e clichês, torna-se “uma mentira que a minha vaidade quer”. Essa é a aproximação afetiva que a Sarabatana tem com Cazuza. Nele é possível ver o mundo retratado para além do usual e isso é algo que a banda vem tentando fazer a algum tempo. Acrescente-se às líricas de Cazuza, arranjos que são diretos, que falam ao ouvinte sem voltas desnecessárias: tocamos em outro ponto comum com a Sarabatana. Cazuza prova, finalmente, que é possível cantar às multidões sem abandonar ou simplificar o conteúdo. E isso interessa muito à Sarabatana.

Agora, a matéria publicada, na íntegra -- e sem autoria:

Uma viagem aos sucessos de bandas consagradas, em releituras feitas por formações locais, é o que promete a série “Álbuns Clássicos” que o Asteroid começou a realizar ontem e que prossegue durante o período de férias. Hoje, a partir das 22h, a Sarabatana homenageia Cazuza, interpretando faixas de “O Tempo não Pára”, de 1989. O projeto reedita apresentações que aconteceram em julho do ano passado com o mesmo formato e é um dos destaques da programação de férias da casa. Inspirado na coletânea “Classic Albuns”, que reproduz espécie de “pósmaking off” dos mais conhecidos discos de rock já gravados, o evento abre espaço para que os fãs conheçam e rememorem, em nova versão, sucessos dos ídolos. É o que ocorrerá logo mais. “O Tempo Não Pára” registra o show que Cazuza fez no Canecão, pouco antes de morrer. Além da faixa-título, que batizou o filme de Sandra Werneck sobre a vida do cantor, compositor e vocalista do Barão Vermelho, o repertório do álbum (e, consequentemente, da apresentação da Sarabatana) inclui temas como “Vida Louca, Vida”, parceria com Lobão; “Exagerado”; o blues “Todo o Amor que Houver nessa Vida”; “O Nosso Amor a Gente Inventa”, “Codinome Beija- Flor”, e “Faz Parte do Meu Show”, entre outros. Cazuza ficou conhecido como um dos mais talentosos poetas contemporâneos. A tal ponto, que chegou a ser comparado a Vinícius de Moraes. É e justamente essa característica do trabalho do artista que funciona como elo de ligação com a Sarabatana. A banda destaca, no material de divulgação que encaminhou à imprensa, que se identifica com o lirismo, os arranjos das canções e a capacidade de falar às multidões, usando de uma linguagem menos rebuscada, que simplifica o conteúdo. O conjunto reúne Mario Marcos (vocal); Gustavo Lacava (guitarra); Renato Mestre (guitarra e voz); Emerson Guerra (baixo); David Dias (bateria), e Marcelo Moreira (backing vocal).

Compare as afirmações em ambos os textos: já dá um problemão! Mesmo que lêssemos apenas a matéria divulgada (07/01/2011) já dava pano pras mangas: a parte grifada contém inúmeras contradições em termos, e o pior, associa essa série de erros (como a "simplificação do conteúdo") à banda Sarabatana.

Enviei um email questionando a redação da matéria e vou aguardar sentado. E se chegar uma resposta do tipo "não há erro nenhum", não acharei muito surpreendente.
Cultura em Sorocaba? Ah, vá estudar!