28 de agosto de 2009

Se não me engano, céu e mar ainda são blues.

- alô?
- oi, quem fala?
- aline.
- eu já sabia... na verdade, é burrice perguntar o nome de quem atende o celular, visto que é um número pessoal, não acha?
- alguém poderia atender em meu lugar...
- acontece muito pouco. e a pessoa que atende sabe que está sendo provisória naquela função.
- uma ligação errada, números trocados, engano, troca de número, venda de chip, possível sequestro...
- isso é tão raro quanto um bom programa na televisão aberta -- aos sábados, diga-se de passagem. não sei como pôde pensar nisso!
- minha relação com o celular é menos imanente do que você imagina.
- você supõe que a minha seja o que? transcendente?
- nada de teologias resumidas... o que eu queria dizer é que utilizo este aparelho quase que exclusivamente para ver as horas.
- você é daquelas pessoas que mataram o relógio de pulso!
- é verdade. e eu deveria remoer alguma culpa?
- não, talvez seja um fenômeno que vai além de sua particular intenção de usar menos adereços.
- quando usei aquele relógio que veio no ovo de páscoa, você se irritou.
- ele atrasava a cada 5 minutos. toda vez que eu te perguntava o horário, estávamos mais de 20 minutos passados para trás pelo tempo. e ainda perdíamos mais 2 minutos para você ajustá-lo novamente.
- por isso sacrifiquei este meu filho e descobri na sarça ardente o celular, meu caro abraão.
- a história não é assim.
- exato, não sacrifiquei o relógio em benefício do celular, nem vice-versa. o relógio está em alguma gaveta, entre aqueles rascunhos infantis de mil poemas.
- e o celular?
- óbvio que está sob o pavilhão da orelha, discutindo sobre ele mesmo.
- uma metalinguagem, talvez.
- preciso desligar.
- eu também.
- estou consumindo a bateria numa dialogia filosófica.
- ótimo, não?
- sim, de fato. mas quando eu entrar de volta para a reunião com o famigerado diretor de marketing e ele disser que meus prazos atrasaram e que minhas criações ficaram implícitas demais, isso já vai bastar.
- não compreendo...
- ouvir de um senhor de 53 anos, formado na gv, de que sua arte é muito complexa e que propaganda se faz na cara -- na cara, meu--, já me basta. não preciso ficar ouvindo este aparelho bipando para -- em vão -- avisar-me que a bateria está fraca e que se autodesligará em alguns minutos, ficando assim incólume no bolso da blusa.
- vai perder o horário.
- é, vou.
- um beijo.
- outro.

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