"Tzinacan"
Há um Santo no jardim. Em sua fronte, ao centro, carrega o Universo, e é menor que uma cigarra. Dos seus pés descalços escorrem duas nascentes: a que vai para o Leste culmina num lago, onde animais de todas as espécies se alimentam (há peixes em abundância, mas não há competição): tudo é farto no lago e em torno dele; à Oeste, o rio turva-se e acelera sua velocidade, progredindo geometricamente, sob a razão de cinco. Logo, exige desafios para compreender sinuoso traço. Esfinges encontram esconderijo nesse labirinto de margens duras e rigorosas. Porém o corte na terra, desenhado caprichosamente pelo tempo – que não é mais do que o próprio rio – desvela um caminho entre os vales, repletos de pedras e flores cujas pétalas ainda não têm nome.
Sobre sua cabeça, um anel brilhante pende do éter azul e incógnito. Há quem pense ser essa aréola um conjunto de planetas e variados sóis, reduplicando as possibilidades e as dúvidas. Em verdade, pendem do Imensurável luzes multicores que conseguem dar novos temas às pastagens cor de oliva. Há o amarelo de Van Gogh e as luzes da Renascença, espelhados nos topos e entre as árvores do bosque. Parece que são essas ondas que regulam o clima, por ora quente e úmido.
Na mão esquerda carrega Ele um cetro adornado por pérolas escuras, como se não fosse um ser da terra, e sim do mar. Mas não há nada Nele que remeta às ondas, que são determinadas e rigorosas: essa sua contradição é fruto de uma paixão imensa por tudo aquilo que nasce e perece. Se Nele há repetição é só porque compreendeu a simetria matemática de existir – o Santo é demasiado humano. E na palma da mão direita duas chagas revelam seu mistério: mesmo os deuses são, ainda, temerosos e gostam de sentir assim. Para o Santo, simplesmente ser e estar, com todos os Verbos em-si.
Na íris desse irrevogável Santo vêem-se comandos e ordens parados que regulam o Fogo Primordial. Os signos usados para que cada ação mova-se em em círculos aparenta-se com o I Ching, embora suas combinações sejam infinitas. Cada lento tempo de olhar, entre fechar e abrir novamente os olhos, é uma existência que se instaura, independente Dele: há quem viva, há quem corra. Há sempre esquecimento. E nesse ínterim, pululam novas formas de Memória. O Santo reconhece ser isso o que os mais nobres da estirpe dos humanos chamam pelo nome de consciência. Não há desacordo no semblante do Santo.
Diante de tudo isso, que notou ser Sublime, o Santo diz sua única assertiva – como uma praga ou uma predileção. Fala antes de levantar-se e partir com os olhos cansados e as mãos dispostas a destruir todos os livros que tentarão contar de sua passagem por este jardim. “Há só uma história a se contar” – sua única doutrina, seu canto pela eternidade ecoado em terças, quintas e sétimas acalma o Horizonte, que já começava a ruir.
5 comentários:
Gustavo, meu querido, esperei tua postagem no "Escritos" até domingo, mas o pessoal (alguns) me cobraram nova tarefa.Como pensei que não iria postar mais, postei no finalzinho da tarde o novo exercício. LEIA LÁ, talvez se identifique mais com esse :o)
Vou voltar ler com calam teu post,.
bjão
ops com calma .rsrs
O eco em terças, quintas e sétimas eram guitarrísticas, suponho...
Abraços, amigo poeta. Eu realmente piro nas suas letras!
Aê Gustavo!
Que bonito, e confesso que quando li "prosa poética" fiquei morrendo de preguiça. É, ando numa frescura enorme.
No fim, eu gostei. E fiquei mais uma vez com uma impressão de no penúltimo parágrafo (e quando você escrevia poesia, eram nas penúltimas estrofes) a fluência se modifica um pouco. Parece que você toma consciência da escrita e expõe isso. Nada ruim, e eu também posso estar viajando, é só uma impressão. Sempre achei que fosse a filosofia passando pela tua cabeça, sei lá. Mas eita quanta bobagem, né. Beijos!
Oi Gustavo,
Não sabia que você filosofafa de graça assim não. Li em voz alta, porque a beleza da junção das palavras iniciais me encantou. Adorei tuas descrições em especial esse trecho:"Cada lento tempo de olhar, entre fechar e abrir novamente os olhos, é uma existência que se instaura, independente Dele: há quem viva, há quem corra. Há sempre esquecimento. E nesse ínterim, pululam novas formas de Memória. O Santo reconhece ser isso o que os mais nobres da estirpe dos humanos chamam pelo nome de consciência. "
Valeu pela leitura de quem não dormiu passando a madruga tentando escrever.
Até mais na fac.
Natália
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